2008-09-16


As árvores na cidade

(Este artigo deve ser lido e consultado na integra, com o apoio das imagens ilustrativas do discurso para melhor compreensão e entendimento do mesmo) www.nunooliveira.com


Enganamo-nos quando pensamos nas áreas verdes em geral como consequência e mera decoração das nossas cidades ou espaços urbanizados. Muitas vezes até a pretexto de uma melhor qualificação vivencial dos espaços, mas num sentido redutor a uma imagem, a um embelezamento desse espaço sem a noção da importância e influencia destes, no comportamento térmico entre outros e por isso comportamental e de uso dos espaços por parte do individuo.


Uma árvore, uma caldeira, uma área de relvado com um ou outro canteiro de vegetação rasa, um godo ou casca de árvore, um desenho mais elaborado de passeio, ou sendo ainda mais exigente, colocando ali um ou outro equipamento urbano; um banco de jardim; uma papeleira; um candeeiro. Para ser ainda mais rebuscado, uma fonte ou escultura.
Desenhar o espaço verde obedece às mesmas regras de conceito, composição, resposta a um programa, ou mesmo a um desenho meticulosamente pensado e construído bem como empiricamente sensitivo pois, numa análise mas profunda, esperamos que estes espaços nos tragam algo mais do que o espaço meramente construído em si. Algo como tranquilidade, uma ausência de barulho, uma distância dos nossos apressados passos no meio de reuniões onde, sentados num banco jardim, quando raramente arranjamos tempo para isso, sentimos o perfume de uma árvore em flor ou de uma das flores que ali dão o colorido que nunca reparamos. O barulho das ondas rebentando e arrastando aquela brisa de iodo, ou o correr de uma levada ecoando entre as árvores.
Nessa altura, sentimos que outros sentidos se ligam e se encontram afinal apurados. Sentimos o cheiro da terra molhada!..
È só nestas alturas e apenas por momentos que damos valor ao espaço verde, seja ele desenhado ou natural na sua verdadeira essência.
Não é no entanto um discurso dos verdes ou nesta onda ridícula da preservação da natureza ou mesmo da preocupação sobre o equilíbrio do planeta. Esse assunto terá certamente um outro momento. Aqui deverá ser objecto a reflexão sobre a árvore, o espaço verde como elemento integrado no nosso espaço urbano.
A verdade é que este espaço verde (o natural e o desenhado), sempre fez parte da nossa vivência desde a pequena aldeia até às nossas cidades.
Poderia até dissertar sobre a importância de um sobreiro no meio da praça, que outrora marcou uma expressão alentejana ouvida no centro de Évora:
-Ali no sobreiro vira á esquerda!
Dizia o velho de capote onde as referências do sítio ainda se regiam pela importância de uma árvore, de um monte, de um caminho ou da pequena capela.
Sejamos por momentos, interrompendo este devaneio poético, pragmáticos e aplicadores práticos das regras em que nós (os arquitectos) nos regíamos até á década de 80.
Uma rua de traçado recto, orientada de nascente a Poente. Um perfil de 15 metros entre fachadas e estas, de ocupação burgueso-mercantil, piso térreo e um ou dois pisos superiores de habitação. No piso térreo, “a loja”.
Este é um cenário fácil de encontrar em qualquer restaurante típico em qualquer cidade ou aldeia. Ao lado, sinónimo de evolução dos tempos, a velha foto a preto e branco que vale o que vale, torna-se um quadro nostálgico face á nova vista do mesmo espaço. Agora com carros e passeios, e gentes e lojas, e luz de projectores de iodeto e halogéneo e outras mais diferentes das velas ou velhos candeeiros a óleo, cor das fachadas e cor das montras, das pessoas cinzentas que deram lugar a pessoas de cores variadas. O céu já é azul e o negro do asfalto contraposto com a calçada irregular em granito velho e cinzento acastanhado, tornam os opostos mais contrários ainda.
Bom! É com estas imagens que podemos compreender melhor a evolução dos espaços.
Poderíamos falar aqui da cor, da proporção entre a largura de rua e a altura das fachadas. Poderíamos falar da presença actual dos carros já estacionados e com espaço específico para tal, em contraposição com o pontual calhambeque do senhor do chapéu. Podíamos até referir estatísticas e teses sobre o que estes perfis trouxeram á vivência destas cidades.
Mas agora que chegamos a esta descrição imaginada e apoiada em imagens e fotos que todos conhecemos, veja-se:
A rua é a mesma, as fachadas deram lugar a mais dois ou três ou dez pisos. Dos passeios, agora reduzidos a 1m de largura, sendo que o outro está ocupado com candeeiros, caldeiras de árvores e todo o tipo de mobiliário.
A rua em si, para um ou outro carro puxados a cavalos, deu lugar a duas filas compactas de carros. Uma parada o dia todo, outra em fila continua de transito que impede ela mesma a circulação de quem por lá passa.
E as árvores? Onde ficam elas?
Uma ou outra marcava uma referência e orientava o percurso. Hoje vivemos o dilema de que estas, ou crescendo a copa ofusca e retira a vista às salas dos “T2” que se repetem, ou não permitem a criação de mais uma via de rodagem, pois ocupam um lugar central e criam barreiras de ligação quer visual quer mesmo física dos transeuntes.
O perfil das ruas é a meu ver e sem sombra de dúvida, não só o que melhor caracteriza a evolução, (negativa ou positiva) de um espaço urbano, mas também o melhor exemplo que temos para compreender o sentido e fenómeno comportamental influenciado pela presença destas árvores citadinas.

Ventos dominantes
Como podemos compreender, nesta rua orientada a Nascente Poente, agora com 6 pisos em contraste com os três de origem, temos uma barreira sobre os ventos dominantes de Noroeste Nordeste, o que significa duas coisas:
A não existência de brisa ou aragem no Verão, tornando a rua quente, pouco arejada e insuportável nesta altura.
No inverno, com a existência de ventos variados a Oeste e/ou Este, por convexão e pressão atmosférica, uma brisa fria, conferindo uma corrente descendente e consequente desagradável estar para quem lá passa.

Exposição solar
Como sabemos, ainda que pouco importe á nova geração destes arquitectos, ocupados em formalismos e concepção plástica dos seus projectos, o sol anda mais baixo no inverno e picado no verão (desculpem-me os mais sabedores e teóricos esta linguagem, mas a mesma dirige-se a um nível estudantil e por isso incapaz de terminologias demasiado técnicas). Assim, uma fachada sul de uma rua que tivera três pisos e se encontra agora com 6 ou 7 pisos, provoca uma insularidade que agrava mais a situação: no verão não há sombra e no inverno, nenhum passeio apanha um raio de sol.
Para agravar o facto, temos ainda a inexistência de arcadas e espaços abrigados já fazendo esta parte da arquitectura em si dos prédios, mas centremo-nos nos espaços verdes.
Relação ao nivela do r/ch, entre o uso dominante e o passeio
A relação entre a ocupação funcional ao nível de r/ch seja comércio, habitação ou serviços, sempre marcou e identificou, quer a identidade da rua, quer pontualmente a aproximação de um gaveto, de uma alargamento ou de uma praça.
Uma rua adquire uma identidade, por vários motivos, mas fundamentalmente pela ocupação ao nível do r/ch, largura de passeio, caldeiras para arborização, largura de rua, número de vias de rodagem, separador central e até sentido de trânsito.
Assim, a qualificação, desenho e identidade destes espaços depende da forma como se acentua, condiciona e provoca ao nível do projecto o uso do mesmo espaço.
Outros factores
Note-se que pretendo concluir apenas referindo-me ao espaço arborizado, tendo consciência do discurso muito balizado e não entrando na equação dezenas de outros factores como ocupação tipológica, relação desta rua com a malha urbana envolvente, proximidade com o centro entre outros.
Concluído:

Pois deste espaço imaginado sem a preocupação ou introdução dos elementos arbóreos, leia-se agora o mesmo espaço introduzindo conscientemente árvores altas, baixas, copa larga ou copa curta, folha caduca ou perene, para não falar de uma escolha mais pretensiosa de cores, e expressão deste elemento verdes introduzidos.
Uma árvore pode conferir a sombra inexistente que falamos no passeio ou na rua, marcar uma sequência e ritmo á rua por grupos e conjunto d elementos, desenhando assim percursos e aberturas para passeios e passadeiras. Pode servir de barreira visual entre fachadas, pode quebrar a brisa fresca de inverno ou tornar mais agradável um passeio de verão. Pode sugerir uma praça, uma pausa, uma referência do sítio para dar lugar a uma explanada de café. Pode pela consequência do desenho e das barreira físicas das suas caldeiras, dividir estacionamentos, ou marcar identidades no percurso do passeio. Com o apoio, reforço e valorização de algo inevitável hoje que é a iluminação, criar espaços de cor, de referências várias a uma local específico ou a uma sequência específica de uma rua.
Pode integrar, pela sua existência e condicionante física, um outro equipamento, agora sim coerente e contextualizado um banco de jardim, uma papeleira, um contentor de lixo. Sobre este último exemplo, veja-se a melhor integração de um simples contentor de lixo.
E se levarmos esta potencialidade ao máximo, veja-se mesmo a criação de identidades ao longo da rua e dos prédios, e das lojas, e das funções que ocupam os pisos térreos com a diferenciação dos elementos verdes aí colocados.
Se compreendermos o que estes elementos conferem á identidade de uma rua, podemos até entender que os cheiros, o som quer das suas folhas quer dos pássaros que as habitam, tornam o espaço desenhado em algo tão sensível e importante de reflexão para que o espaço urbano, seja não só pensado por si, mas desenhado também em função dos elementos verdes que aí colocamos pois este sem dúvida vão influir no comportamento dos seus utentes.




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