2008-11-09

“O PAPEL DO ARQUITECTO II”
Este é dos temas mais fáceis de divagar e ao mesmo tempo nunca encontramos uma definição correcta, completa ou resumida do que possa ser o arquitecto.
Ser arquitecto é um conjunto de condições amplas e pouco definidas mas ao mesmo tempo completas e polivalentes pois não podemos balizar, quer o desempenho, quer a actividade do arquitecto, ou mesmo o que é um arquitecto completo!
Seria mais fácil definir os primeiros passos ou condições para que possa um dia vir a ser “arquitecto”.
Um médico é um licenciado como outros. Tira um curso, faz uma especialidade e torna-se Doutor. Um engenheiro, idem aspas. Um advogado igualmente!
Mas se pensarmos o que é ser alguma coisa realmente, podemos chegar á conclusão que deverá ter um conjunto de conhecimentos, não bastando este conhecimento pois deverão estes profissionais ter a respectiva aplicação prática dos conhecimentos adquiridos.
Podemos ter um licenciado em medicina que certamente conhecerá as partes do corpo, mas nunca no seu desempenho um Bom médico, pois não chegará o dito conhecimento para curar ou operar ninguém.
O mesmo posso dizer de um advogado ou de um engenheiro!
No entanto, procurando uma analogia e comparação com estas profissões, para ser arquitecto, com a mesma razão de ser, terá de demonstrar os conhecimentos adquiridos e pôr em prática os mesmos, desenhando, projectando e desempenhando a sua função como um medico na sala de operações ou um advogado argumentando a sua causa em tribunal.
No entanto e tentando não menosprezar o papel dos outros profissionais, talvez não caiba ao médico aprofundar os seus conhecimentos em história ou a um advogado lhe seja pedido noções de ergonomia.
Por isso ao reler Vitrúvio encontrei argumento nos meus discursos e nas minhas aulas, quando digo que o arquitecto é o ser, individuo, profissional mais completo e pretensamente munido da maior informação em todas a as áreas.
Como diz Vitrúvio, não chega apenas conhecer os instrumentos da sua representação bidimensional ou mesmo tridimensional. Deverá conhecer anatomia, leis, conhecimento dos astros e do clima, das realidades sociais e culturais neste mundo global onde as diferenças e fronteiras não se resumem já às diferentes identidades do seu país ou mesmo da sua área de intervenção.
Deverá perceber como construir, em quê, para quem e outras tantas equações complexas do seu exercício profissional.

Mais ainda referindo-me a Vitrúvio, sempre presente o papel do arquitecto como actor pensante pois única forma de, com ordem, com coerência, definir a sua actuação mas não poderá ele mesmo ser completo senão conhecer na prática o resultado do seu trabalho.
Concluímos que o arquitecto é um obreiro consciente e sabedor, filósofo da construção e da sociedade.
Depois de uma pergunta de café, ontem, acrescento o papel do arquitecto na sociedade enquanto principal motor e condicionador de comportamentos e identidades de uma cultura.
O papel assim, transcende tudo o que Vitrúvio referiu no primeiro livro e restantes, fica completo com a responsabilidade acrescida do que possa causar com a sua boa ou má actuação enquanto profissional.
Sobre isto, prometo escrever mais, mas fica aqui registado que o arquitecto é um dos mais responsáveis pelo perfil cultural, pois este desenha o seu espaço, as suas ruas que levam e conduzem o indivíduo, cria sensações e emoções, condiciona o seu espaço privado e público e assim, faz com que o indivíduo, seja ele mesmo um pivô, às vezes inconsciente e ingénuo, moldado e orientado segundo as nossas regras.
Ser arquitecto é acima de tudo ser um Big Brother com as vantagens e responsabilidades que o nosso exercício impõe.

Sejamos então conscientes pelo menos do nosso papel e do que os nossos actos provocam nesta sociedade tão frágil e vulnerável, consumista e ingénua quando confrontada com o que fazemos.
nuno oliveira, arquitecto, Agosto 2008