2010-01-31

Conceitos de Intervenção no património edificado

Reabilitação; Regeneração; restituição

Restauro; reparação; renovação; conserto
Conservação - manutenção
Recuperação; recobro; restabelecimento
Reconstrução; reedificação
Reorganização; reforma, reestruturação, modificação
Regeneração; reconstrução; reconstituição, reabilitação, reforma, renascimento
……………………………………………..
Só agora respondo á tua pergunta e dúvida, porque como conversamos gostaria dar-te uma resposta concisa e completa para o efeito que pretendes.
Finalmente consegui encontrar uma série de artigos e textos soltos e outros, que retirados de outros contextos, podem ilustrar o que pretendes.
Falar sobre os temas supracitados, é quase uma discussão filosófica e mesmo académica sobre o que cada palavra significa realmente e a fronteira entre uma e outra.
Neste sentido, procurarei falar-te sobre cada uma, numa perspectiva de aplicação de conceitos e seu significado na materialização em concreto do nosso exercício, com exemplos que ilustram melhor cada sentido e significado.
Após esta compilação de textos e pensamentos tentarei falar da minha experiência e citar algumas intervenções na perspectiva de entenderes a sua aplicação ou aplicabilidade, bem como melhor ilustração do que é o quê…
Outro aspecto que vem complicar a equação, são as sucessivas alterações ou uso das próprias palavras ao longo do tempo.
Tão fácil seria o uso da palavra “restaurar” uma casa, onde apenas as paredes rurais e rudes se mantinham, procurando nessa mesma intervenção, com novos materiais e dando novo uso e redimensionamento ao espaço, bem como inserir uma cornija mais ecléctica ou “moderna”, ou um alpendre apalaçado ante a porta, que de nada traduz o conceito de restauro. Introduzindo aqui uma série de factores e conceitos não assimilados nem conhecidos do autor trata-se apenas do uso de uma termo que generaliza a vontade de intervir mantendo a ideia de algo passado.
Por outro lado, a constante reflexão sobre os conceitos, um mais atento e aprofundado debate destes e da sua aplicação levou a uma definição mais rigorosa da própria terminologia.
A Unesco, a par da classificação dos imóveis, conjuntos ou lugares, tem desempenhado um papel fundamental, na definição, ou melhor na redefinição, mas acima de tudo na aplicabilidade e defesa das intervenções a vários níveis e escalas do património.
…Outra palavra que introduzo, pois a própria noção de património e das implicações da evolvente de uma unidade, foi tema debatido na geração de 90, pois alguns edifícios classificados anteriormente apresentavam já consequências de uma desatenção dos espaços que os envolviam, resultando na necessidade de classificar, para proteger, uma área envolvente alargada e despoletar uma série de planos de salvaguarda ou de áreas de protecção.
Por fim, relembrar o papel da carta de Atenas e dos vários congressos quer nacionais, quer internacionais, onde podes ir buscar muita informação sobre estes temas. Ao nível internacional as preocupações pelo património e consequentemente por estas terminologias, levaram a um entendimento e maior atenção ao património edificado e por outro lado á consciência de que este património não se reduzia a um ou mais edifícios senão a locais definidos e com características próprias e particulares carentes de atenção e de resolução e defesa.
No panorama nacional, para não nos limitarmos ao congresso de 48, as preocupações urbanas, vem de muito antes, condições de salubridade e defesa do bem-estar publico, regulamentos urbanos e o próprio R.E.G.E.U., (regulamento geral de edificações urbanas).
É de referir, se te recordas das minhas aulas que numa leitura mais largada deveremos pensar na importância dos regulamentos urbanos romanos, regulações de traçados e aspectos de infra-estruturas básicas, que levavam a um condicionamento das vias e dos lotes. Hoje somos ainda produto dessa lógica de traçado e de pensamento.
Bem …, no entanto, se importaria ter uma noção clara e mais rigorosa das terminologias, e da sua aplicação ou contorno jurídico até, num exercício mais académico e simplista aqui vai alguma interpretação desses termos e conceitos.
Quanto á questão do significado das palavras, o que quero dizer com isto é que o próprio conceito e uso da palavra têm ao longo do tempo alterado ou sido usado de uma forma diferente para situações iguais.
Por isso importa até fazer uma reflexão sobre o real significado das palavras e depois numa perspectiva de adaptação ao exercício profissional em causa (fazer arquitectura), aplicar a terminologia correcta e saber conjugar as mesmas nas diferentes situações.
Nada mais então que adjectivar num parágrafo para ilustrar o que cada expressão ou nome atribuído se refere e ao objectivo a que se propõe.
Ainda e para concluir, dado que já justifiquei a necessidade de utilizar as palavras num determinado contexto e com um objectivo importa conjugá-las com outras, como é exemplo “reabilitação urbana”.

Restauro - algo que se mantém com uma identidade própria
(restauro; reparação, renovação. Conserto)
Este termo, requer uma compreensão sobre o que é reabilitar, mas também o que é o reabilitar a uma escala urbana..
Sobre o tema e questão em concreto:
Comecemos por um termo e conceito
O restauro ou reparação é um termo utilizado para a recuperação de algo em concreto e definido dentro de uma determinada escala. Uma cadeira; um altar; uma talha barroca; um objecto. Trata-se de uma escala diferente do edifício. O restauro deste objecto é na realidade a recuperação de algo que existe ainda na sua identidade própria.
O restauro de um quadro, é o limpar, emendar, o re-colorir da talha de uma moldura, o repintar segundo cânones muto precisos e respeitadores do existente. Supostamente é o reavivar de algo que ainda se mantém. Mantendo a cor, a expressão, a qualidade do material e não qualquer intervenção que altere a identidade do objecto, a sua leitura, as suas características com qualquer sentido criativo no seu manuseamento.
O restauro de um edifício porém, não contradizendo a ideia de escala, refere-se num sentido lato, ao restauro de partes, perfeitamente definidas e carentes de reparação - as paredes, o altar, os tectos...
O restauro de um carro antigo, pressupõe o manter da sua traça e originalidade.
O restauro facial plástico pressupõe a recuperação da expressão anterior do indivíduo.
O restauro de um peça de mobília ou de um quadro, pressupõe a sua manutenção na “traça”, na expressão, na cor, nas características próprias, sejam elas actuais ou desactualizadas pois o objecto máximo do restauro é o de um cumprimento estrito dos valores do objecto, sem entrar em conta qualquer sentido critico, subjectivo ou afectivo.

Recuperar. Algo que entrara num processo de morte aparente, de desmaterialização. Algo que perdeu a sua vida, a sua função ou o seu uso.
(Recuperação; recobro; restabelecimento)
A recuperação é um termo mais alargado para um conjunto ou uma situação em concreto mas que da sua origem, perdera a vitalidade, a função, a sua capacidade de exercer a função para a qual foi criado.
A recuperação do mesmo quadro, requer um tratamento de adicionar, de remendar, de restabelecer o seu princípio, a sua identidade.
Recuperar uma perna, que partiu ou recuperar um palacete que, desabitado, estragado pelo tempo e pela chuva, pela degradação de um tecto e das paredes, carece de uma intervenção superior ao simples restauro pois entrou num processo de abandono, de perda…
Recuperar um centro histórico é devolver uma função e uma vida que já tivera perdido.
Recuperar um sentimento que esquecêramos. Recuperar valores da vida e do objecto que já não existiam ou existindo deixaram de ser vividos.
Recuperar é reaver, voltar a ter.
Neste sentido, recuperar um edifício é retomar o que ele tivera, implicando esta intervenção outros conceitos e intervenções como reabilitar ou até restaurar.

Reabilitar. Algo que entrara num processo de desidentificação
(Reabilitação; Regeneração; restituição)
Introduz-se aqui a primeira componente da vivência dos espaços.
O uso de uma casa, de um espaço urbano, de uma simples cadeira como objecto, cumpre a sua função depois de ser usada, habitada, vivida.
Esta componente humana, esta atribuição de uma certa alma, espaço habitado, frequentado, manuseado.
Distingue-se facilmente pela introdução do elemento humano.
Reabilitar um paciente, significa não restaurar um osso, não recuperar uma mão que estaria deficiente motora, mas sim, entrar com a componente humana, e comportamental. Um espaço ou objecto, será reabilitado, se e só se lhe for atribuída uma função, seja ela a mesma ou outra e por consequência for vivido.
Reabilitar uma casa significa dar-lhe novamente a vida que perdeu, reabilitar um centro histórico, significa levar-lhe a vida, o uso, a vivencia quotidiana que por qualquer motivo deixara de ter.
Reabilitar um quadro e uma expressão inconsequente pois o quadro é um objecto que não tem vida. A expressão a sensação que este pode trazer ao ser humano, apenas se refere á comunicação emotiva e sensitiva deste perante o quadro.
No entanto, um espaço, como um simples claustro de um mosteiro, foi vivido por monges, depois adaptado para uma escola por um quartel. Cumpriu várias funções e conteve várias vivencias em si.
No entanto, o seu estado de degradação total, fez com se tornasse uma ruína, um testemunho de memórias. Não habitado, ele reduz-se a um espaço contido por paredes, por aberturas, por um percurso. Sem gente morre, não existe a não ser pelo significado e pela importância na memória de quem ali passou ou viveu. Reabilitar, é dotar dessa vivencia que perdeu. Com a mesma ou outra identidade.
Como o significado poderá conter esta dualidade de regenerar, dar nova vida, ou restituir a vida que perdeu.

Conservação/ preservação. Manter a identidade e capacidade de resposta a um determinado sentido e objectivo
(conservação - manutenção)
A conservação leva a um cuidado contínuo para evitar a degradação e a posterior necessidade e restauro ou de recuperação.
A conservação de uma peça de museu, ou de um espaço, significa um contínuo cuidado em preservar o mesmo.
A conservação tem sido uma das grandes políticas de intervenção no património.
De ressalvar aqui a consciência que uma conservação e preservação do património, traduz-se em primeira e mais imediata significado de não deixar destruir e degradar mas num sentido mais consciente e mais profundo a tomada de consciência da importância do objecto ou do espaço.
Se repararmos, a sucessiva classificação da importância do nosso património por um lado e a amplitude e alargamento deste conceito a elemento/objectos/edifícios de escalas e de importâncias tidas como menores, levou a um acto de consciência global.
Conservar o ambiente num sentido de não permitir a sua degradação.
Preservar um edifício ou uma área urbana para evitar a sua desidentificação.
A preservação associada á conservação, tem uma consciência associada ao respeito pelo próprio objecto ou espaço por parte de quem o usa.
A Unesco, consciente da necessidade em preservar determinados monumentos, determinados conjuntos urbanos ou um simples objecto cultural optou pela actuação de prevenção, de controlo através de uma série de incentivos e legislações que tinham como objectivo conter a sucessiva degradação dos mesmos.
A classificação de monumento, ou conjunto, de edifício de importancia relevante ou mesmo a determinação de áreas de protecção face a um determinado monumento, veio também introduzir este conceito e consciência pelo património alargado através da necessidade e da conservação e preservação.
O controlo por exemplo da área de entorno/envolvente, dado que a peça classificada, ou o edifício em causa poderia por si, ser abrangido pela preocupação de reabilitar ou recuperar mas a sua envolvente imediata, ou não cuidado, levava ela própria a uma degradação da identidade do imóvel ou do conjunto.
Temos como exemplo as zonas históricas, ou as próprias pirâmides do Egipto.

Planeamento
Ainda a introdução de um tema aqui penso importar:
A questão do planeamento, que no inicio dos anos 80 tomou um relevo significativo como instrumento de trabalho e estruturação do território, teve a meu ver o lado negativo de criar um próprio instrumento legal desadequado á realidade, então criada pelo próprio plano.
Os planos de salvaguarda, os PP e os PU.
…Dado que haveria uma inexistente planificação geral do território bem como uma inexperiência nestes, atribui-se uma longevidade dos planos de 10 anos, sendo que, o inicio da aplicação dos primeiros, daria uma experiencia de terreno e uma consciência aprofundada da adequação dos planos traçados.
Assim o ano de início de aplicação, era ele mesmo o primeiro ano de rectificação e tomada de consciência das necessidades pontuais de o rever.
Se passados quase 30 anos dos primeiros esboços ainda temos a total descoordenação e desadequação instrumental destes planos em vigor, só podemos concluir que o esquecimento (chamemos-lhe) conveniente, traduz-se numa anarquia para a, (de facto), rectificação e integração bem como articulação e real entrosamento dos espaços urbanos.
Esta consciência da preservação dos espaços/ conservação pelo acto consciente, levou a uma leitura real e objectiva nos casos concretos que vivemos e acompanhamos no espaço arquitectónico… Um P.D.M., Plano Director Municipal, que permite o que a lógica e bom senso não teve tempo, nem instrumento legal para defender.

A reconstrução
(Reconstrução; reedificação)
Este tema aparentemente não inclui um sentido qualitativo ou critico sobre o objecto.
Reconstruir é re-elevar. È colocar em pé algo que tinha a sua característica física e por um qualquer motivo sofreu uma destruição.
Conotado com um sentido meramente “construtivo”, físico, parece não apresentar associado a este, outros conceitos de intervenção.
Reconstruir uma fortaleza, com as mesmas pedras que por um canhão foram derrubadas. Reconstruir uma moradia que por degradação de uma estrutura de telhado, levou á ruína e por isso se reconstrói á semelhança da pré-existência sem querer alterar, ou até preocupar pelo cumprimento de outros valores e conceitos como o restauro ou a reabilitação.
Reconstruir é apenas o acto de repor, de recolocar os elementos físicos de um qualquer edifício.
No entanto, deverá notar-se a importância deste conceito...
Reconstruir, requer por si a compreensão do edifício, das suas características, da sua identidade para assim, poder repor conforme o seu estado inicial.
Por esta razão, a reconstrução está de facto, sempre associada a outras intervenções como o recuperar ou restaurar de peças soltas que façam parte do objecto em causa.
Num sentido urbano, vejamos o exemplo recente do chiado (versos) reconstrução do chiado face ao terramoto de 1855. Temos duas reconstruções associadas a outros tantos conceitos, desde o reabilitar ou recuperar esta área urbana e todos os edifícios que a integram numa panóplia de aplicação de conceitos em como intervir no património.
Aqui poderia introduzir-se também a questão da requalificação urbana, termo usado na actualidade para a revitalização ou a melhoria de um espaço. Dignificar, melhorar, aumentar as capacidades físicas e vivenciais do espaço ou do edifício, mas ao mesmo tempo dotar de melhores condições não só físicas como vivenciais introduzindo a componente estética e visual - A modernização do espaço.

Requalificação
(Reorganização - reforma, reestruturação, modificação)
Por fim, importa aqui introduzir outro tipo de terminologias pois elas mesmas não só se referem às anteriores, como traduzem uma linguagem corrente e adjectivação necessária para as intervenções actuais.
Num espaço existente, e entenda-se por pré-existência algo que tenha a sua existência prévia, seja uma praça, uma ruína, uma estrada ou caminho, uma casa ou um simples cruzeiro, com uma determinada identidade, é frequente usar a terminologia dos “res”.
Refazer, requalificar, reestruturar.
Significa intervir, retomar ou repensar algo que já fora…, que já tivera…, que já tenha marcado ou definido algum espaço, ou alguém que o usasse.
Estas palavras, são frequentes na nossa linguagem pois a necessidade em pensar o território, adapta-lo, significa num primeiro passo, o entendimento do que o mesmo significa ou significou.
Esta necessidade em descrever mas equacionar, analisar e interpretar, leva ao uso necessariamente da retoma, por oposição ou reforço. Refazer, significa, tornar a.. Ainda que signifique alterar o seu sentido inicial.
Conclusão;
Caro amigo, nestas palavras finais, optei por ir buscar alguns textos escritos na tese de mestrado, dado que uma das disciplinas versava o entendimento destas questões e por isso relembrar o que aprendera e o que ouvira, por parte de professores e autoridades legitimadas espanholas, a meu ver, muito mais capazes e atentas a estas questões.
Por outro lado, alguma maturidade leva a repensar e redigir novamente alguns escritos e até adaptar á pergunta que me fazes.
Espero com isto ter satisfeito as tuas dúvidas e ao mesmo tempo agradecer esta questão, tão querida para mim, e infelizmente no meu exercício profissional, a área de reabilitação resume-se a pequenas obras sem significado ou escala colunável mas não menos importante e aplicável em todo este pensamento.
Sugeria agora uma leitura complementar de obras e alguns textos sobre as mesmas para ilustrando teres melhor consciência e melhor percepção no campo e no exercício profissional.
Vou adicionar também em anexo estes textos e imagens.
Nuno Oliveira, arquitecto
(Compilação e inclusão de textos em trabalhos de tese de mestrado, disciplina de legislação e intervenção no património edificado)


1 comentário:

Manuela Araújo disse...

Olá Nuno
A "política" dos 3R's (reduzir, reutilizar, reciclar) que se aplica aos resíduos para um maior respeito pelo ambiente, é aqui "reconvertida" numa política de vários R's. E o caminho da arquitectura deve cada vez mais ser esse - recuperar, reabilitar, restaurar, regenerar, reformar, reestruturar - pois a construção nova, ocupando e impermeabilizando espaços que precisamos para o equilíbrio ecológico, cada vez será menor, e ainda bem.
Convido a visitar o meu:
Sustentabilidade É Acção, mas aviso que arquitectura por lá, só ás vezes.
Parabéns pelo blogue e um abraço.